O prontuário médico é um dos principais instrumentos de trabalho no âmbito da prática médica. Além de registrar informações sobre a condição de saúde e os tratamentos realizados, ele também desempenha um papel crucial como prova documental em processos éticos e judiciais. Sua relevância jurídica está diretamente associada à capacidade de demonstrar a conduta do médico, reforçando a sua diligência e o cumprimento de padrões éticos e técnicos. Focamos em estudar a importância do prontuário médico na defesa em processos éticos e judiciais.
Neste artigo, analisamos como a documentação adequada no prontuário pode proteger o médico em situações de litígio e forneceremos orientações práticas sobre boas práticas de registro.
O que é o prontuário médico e qual a sua finalidade?
O prontuário médico é o conjunto de documentos que reúne informações sobre a saúde do paciente, incluindo dados clínicos, diagnósticos, tratamentos, exames realizados e anotações do médico. Ele é regulado pela Resolução CFM nº 1.638/2002, que estabelece diretrizes para sua elaboração, armazenamento e sigilo.
Além de ser uma ferramenta essencial para a continuidade do cuidado ao paciente, o prontuário possui valor jurídico, podendo ser utilizado como prova em processos judiciais, administrativos e éticos.
Prontuário médico como ferramenta de defesa
1. Demonstração da conduta ética e técnica
O prontuário pode comprovar que o médico agiu de acordo com os padrões estabelecidos, realizando diagnósticos e tratamentos com base em evidências científicas. Um registro bem elaborado detalha:
- O consentimento informado obtido do paciente.
- A explicação clara dos riscos e benefícios do tratamento.
- A conduta adotada frente a intercorrências ou complicações.
2. Documentação como prova em litígios
Em processos judiciais ou éticos, o prontuário médico é frequentemente a principal fonte de informação objetiva para avaliar a conduta do médico. Registros incompletos ou mal elaborados podem comprometer a defesa do profissional e gerar presunções desfavoráveis.
3. Proteção em casos de erro médico ou complicações
O prontuário permite diferenciar erros médicos de complicações inevitáveis, documentando que todas as medidas adequadas foram tomadas. Ele também demonstra o acompanhamento clínico e as orientações fornecidas ao paciente.
Boas práticas para o registro no prontuário
- Registros completos e detalhados:
- Inclua todas as informações sobre a consulta, diagnóstico, tratamento e evolução clínica.
- Documente qualquer alteração na condição do paciente e as decisões tomadas.
- Uso de linguagem técnica e clara:
- Evite termos genéricos ou subjetivos que possam ser mal interpretados.
- Consentimento informado:
- Registre que o paciente foi devidamente informado sobre os procedimentos, riscos e alternativas.
- Sigilo e segurança:
- Respeite o sigilo médico, conforme previsto pelo Código de Ética Médica, armazenando o prontuário de forma segura.
- Acessibilidade e guarda:
- Os prontuários devem ser mantidos por pelo menos 20 anos, conforme Resolução CFM nº 1.821/2007.
Consequências da ausência de prontuários adequados
A falta de um prontuário bem elaborado pode levar a:
- Presunção de culpa: Em litígios, a ausência de registros pode ser interpretada como negligência.
- Dificuldade em comprovar conduta ética: Sem um prontuário detalhado, o médico pode não conseguir demonstrar que agiu de acordo com as boas práticas.
- Sanções éticas e judiciais: A inexistência de registros pode resultar em advertências, censuras ou até condenações em processos civis.
Casos práticos e jurisprudência
Caso 1: Ausência de consentimento informado
- Fatos: Paciente alegou que não foi informado sobre os riscos de uma cirurgia.
- Decisão judicial: O médico não apresentou o prontuário com o registro do consentimento informado, sendo condenado por danos morais.
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA. DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO INFORMADO. DANO MORAL. DANO ESTÉTICO. RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA AUTORA DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME Trata-se de apelações interpostas contra sentença da 1ª Vara Cível da Comarca de Cianorte, que julgou procedente ação indenizatória, condenando o réu ao pagamento de R$ 15.000,00 por danos morais e R$ 15.000,00 por danos estéticos, em razão de falha no dever de informação durante procedimentos médicos.
Restou comprovado nos autos que a paciente não foi devidamente informada sobre a possibilidade de remoção dos ovários e trompas durante a histerectomia, o que configura falha grave no dever de informação, ensejando a indenização por danos morais.
O descumprimento do dever de informar adequadamente o paciente sobre os riscos do procedimento médico acarreta responsabilidade civil do profissional de saúde, independentemente de erro técnico na execução da cirurgia. Dispositivos relevantes citados: Código de Defesa do Consumidor, artigo 14, § 4ºCódigo Civil, artigos 186 e 944 Resolução CFM nº 1.931/2009, artigo 34 Jurisprudência relevante citada: TJPR – 9ª C. Cível – AC – 1396171-2 – Rel.: Coimbra de Moura – J. 20.04.2017TJPR – 8ª C. Cível – 0011072-36.2015.8.16.0131 – Rel.: Ana Paula Kaled Accioly Rodrigues da Costa – J. 18.09.2023TJPR – 9ª C. Cível – AC – 0003453-54.2017.8.16.0141 – Rel.: Roberto Portugal Bacellar – J. 16.03.2024
(TJPR. 9ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 0003786-23.2020.8.16.0069. Data do julgamento: 24/10/2024.)
Caso 2: Complicação cirúrgica
- Fatos: Paciente desenvolveu infecção após procedimento.
- Decisão judicial: O prontuário detalhado demonstrou que o médico adotou todas as medidas preventivas, configurando complicação inerente. O processo foi julgado improcedente.
Responsabilidade civil. Erro médico. Ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos. Sentença de improcedência. Irresignação da autora, que afirma ter contraído infecção após a realização de cirurgia estética. Prova pericial que concluiu pela inexistência de conduta culposa do profissional médico que atendeu a autora, bem como pela regularidade do procedimento cirúrgico. Infecção que está listada como complicação possível da cirurgia, embora não desejável. Inexistência de erro médico ou defeito na prestação do serviço médico-hospitalar. Ausência de obrigação de indenizar. Sentença mantida. Recurso desprovido.
(TJSP. Acórdão. Processo nº 1041538-03.2021.8.26.0100; Relator (a): Alexandre Marcondes; Data do julgamento: 16/07/2024)
Conclusão
O prontuário médico é uma ferramenta indispensável para a defesa dos médicos em processos éticos e judiciais. Ele fornece registros objetivos que comprovam a conduta profissional e o cumprimento de padrões técnicos e éticos. Para proteger sua atuação, os médicos devem adotar boas práticas de registro, garantindo que o prontuário seja completo, claro e atualizado. Além disso, o cumprimento rigoroso das normas de sigilo e guarda fortalece a confiança na relação médico-paciente e minimiza riscos jurídicos.
Bibliografia de Referência
- BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: www.planalto.gov.br.
- Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 1.638/2002 – Prontuário Médico. Disponível em: www.portal.cfm.org.br.
- Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução nº 1.821/2007 – guarda e manuseio dos documentos dos prontuários Médicos. Disponível em: www.portal.cfm.org.br.
- FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
- PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.